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Paris: uma fotografia texto

Prelúdio: uma flanerie outonal

O que dizer de Paris? Uma cidade tantas vezes dita e revistada na obra de Baudelaire, Balzac; na pintura de Lautrec e de tantos ou outros célebres e incontáveis artistas através dos séculos. E a Paris de Walter Benjamin? Irretocável. Sem falar na Paris moderna de imagens pululantes que, por vezes, nos vem midiaticamente e multiplica-se a partir de ícones dispersos em tantos olhares ao redor do mundo.

Entretanto, mesmo a partir do desfiladeiro de representações midiáticas, Paris não será jamais banalizada, visitar La Ville Lummière é estabelecer neste espaço de tantos tempos adensados e conectados um retrato original, intimo e profundamente singular. Cidade literária por excelência nos convida a todo instante a textualizar suas paisagens, seus jardins imaginários, contemplativos cujas flores parecem ser eternas, poderia dizer que um eterno-étereo metaforiza-se nos matizes de azul das lavandas que dá aos jardins um tom celeste abundante, incomum dando forma a mais imaterial de todas as cores. Uma Paris completa de detalhes fez com que o meu diário de viagem tornasse-se também uma fotografia texto, no qual deixo estas impressões:

A primeira imagem monumetal que me atingiu fora a Catedral de Notre Dame, ao adentrar por sua nave, algo nos tocou – o tempo e as almas que por ali se detiveram, tanto quanto o seus arcos dobrados sobre os séculos – o incenso de Alecrim na luz tênue interior era um aroma esfumatro que penetrava nossas próprias almas ritimadas ao som das vozes líricas urdidas aos instrumentos; enlaçava arcos, colunas, candelabros, pedras e nós mesmo aos seus mistérios.

Foto: Catedral de Notre Dame Vista do Sena. Autoria Givaldo & Valéria, outubro de 2010

Le Jardin de Tulheries

O céu leve, de gaivotas nas esculturas brancas, dava uma cor ao tempo que se estendia sobre o jardim: suavemente nublado com pontas de sol. O lago-fonte do Jardin das Tulheries trazia as folhas de outono flutuando na água, enquanto os patos comiam miolos de pão. Era um pinutra, uma poesia, uma imagem tão cotidiana que sem esforço tranforma-se em arte. Vislubrantemente belo, visualmente aconchegante. Uma pintura da qual pude participar estando dentro da tela em meio as tintas úmidas da paisagem, ainda ausente de moldura. Esse estado-pensamento pôs-me uma questão interessante: de fato, o que diferencia a realidade da sua representação?


Foto: Jardins franceses de lavandas azuis. Autoria: Givaldo & Valéria, outubro de 2010

Foto: Lago com patos e folhas, outubro de 2010


Foto: Jardins: rosa e azul Givaldo & Valéria, outubro de 2010

Foto: O Carrossel e a Torre . Autoria Givaldo & Valéria, outubro de 2010

Encontro Inusitado

As cores brilhantes do carrossel contrastam com o “bronze envelhecido” da Torre num encontro inusitado da composição livre-lúdica que a cidade permite – as distintas temporalidades, da torre e do carrossel, permanecem intactas e convergem em forma de débris que oscilam no alto e no baixo da paisagem – prismas da marchetaria do tempo estendido por um tapete de dias.

Foto:Casa de Marcel Proust . Autoria Givaldo & Valéria, outubro de 2010

Um passeio casual pelas ruas de Paris pode fazer-nos deparar com casa onde viveu Marcel Proust e aí como não lembrar sua obra monumental . Em busca do tempo perdido – como bem definiu Olgária Matos: obra de um luxo cromático e de um barroco sentimental tecida dentro da noite. A memória em Proust é tecida artesanalmente e converge para a literatura. Não por acaso, Paris é a cidade mais literária do mundo. O segredo da cidade está também nas pessoas que passam por ela.

Um outono imaginário

Sempre desejei conhecer Paris na primavera, mas o outono revelou-se surpreendente. As folhas que secas inspiraram poemas (comme Les Feilles Mortes de Jacque Prevert) são de matizes que vão do amarelo ao marrom, passando pelo terracota e o ocre. As folhas ensaiam seu balé pelos ares nas lufadas de vento e nos seguem por toda parte. “O ar doce de Paris” torna-se ainda mais doce com a revoada de folhas que despredem das ávores nos seus carrosséis de cor, de aromas. Cada folha que cai é un cadeau. Eu as recolhia pelos parques, pelos jardins. Eis algumas!

Figura – Folhas Secas colhidas na França, outubro de 2010.

As folhas, sobretudo as folhas secas ao vento, são também metáforas do tempo que passa no universo cíclico das estações. Paris é surpreendente no outono, como talvez deva ser na primavera, mas creio que, certamente, o ideal é vivenciá-la em quatro estações, em quatro tempos.

Interlúdio

Paris é realmente uma festa: a dos sentidos. Aromas e paladares tomam as ruas, os cafés, os jardins e as praças. O gosto adocicado dos crepes e o perfume do chocolate é um pouco o sabor da cidade. Aromas de todas as notas nos seguem pelas ruas e as fragrâncias sonoras tem a cor das lembranças. Paris certamente é um lugar que tanto você pode encontrar um violinista na curvatura de uma ponte como uma bailarina no esgoto. Desse modo, o interlúdio é um feixe de experiências da relação que estabeleço entre a cidade e as palavras, com imagens no meio.

Num ponto de articulação entre o visto, o lembrado e o guardado algumas impressões-acontecimentos, mais importantes, transcendem e atravessam as datas da viagem tornando-se síntese de todo percurso.

Colhi impressões como disparei o dispositivo da câmera fotográfica, Em Monmartre chamaram -nos a atenção outros secretos “cartões-postais”: pequenos portões que davam para jardins-refúgios onde as mães levam seus bebês para um passeio recôndito, tranqüilo. Uma estátua saindo de uma -parede de pedras e uma bicicleta de pintas brancas estacionada a borda do jardim-calçada.

Foto:Bicicleta com bolas brancas. Autoria Givaldo & Valéria, outubro de 2010

Foto: Atravessando o muro . Autoria Givaldo & Valéria, outubro de 2010

Foto:Pontes sobre o Rio Sena. Autoria Givaldo & Valéria, outubro de 2010

Paris é ainda uma cidade cortada pelo Rio Sena e também ligada por um desfiladeiro de pontes. As pontes são objetos simbólicos por constituírem-se em elos, pontos de contato, entre outros sentidos. O rio é um vitral do céu em brumas líquidas nos dias de sol. Os casais franceses dirigem-se a ele na ocasião das núpcias, atando as pontes um cadeado que contém o nome dos nubentes e em seguida atiram a chave no Sena, encenando um ritual que se alinhava aos simbolismos do rio e das pontes.

Foto: Cadeados do amor eterno. Autoria Givaldo & Valéria, outubro de 2010

Paris em pós-lúdio

Como uma fotografia esse texto traz o imediato da imagem, a rapidez com a qual comunica um instante e recolhe sensibilidades. É, antes de tudo, um espaço-tempo para o tempo que prolongar-se-á no espaço dos anos por vir, é algo que se fixou para continuar fluindo e possibilitando outros textos e intertextos. Nunca esgotado é o testamento indelével da passagem, a impressão e ao mesmo tempo o relicário-souvenir que eu trouxe da viagem e, por hora, lhes ofereço.

Paris, de 02 a 10 de outubro de 2010.

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