Publico aqui a leitura e as palavras lapidadas de Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado sobre o Livro Em Asas de Borboletas e Em bolhas de Sabão. Bento observa o onírico, o doce, o atemporal de um modo arguto e sensível como só o texto abaixo revela:
Versos que flutuam – A poética de Valéria Cristina Silva
Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado
Todo encontro gera um reflorir. Como centelhas espalhadas, transmutam o néctar fertilizante do amor que se traduz em novas flores, no jardim nem sempre florido da vida. Nessa seara, há tantas vezes mais cipoal de incompreensões e espinhos dolorosos de amarguras, que tentativas de novas mudas podadas de antigas rosas, que foram decepadas.
Mas, sempre haverá um jardim, translúcido, onírico, imaginário. Nesse jardim, mergulhamos, a partir da leitura do livro Em asas de borboletas… Em bolhas de sabão, da escritora Valéria Cristina Silva; recentemente publicado; saímos diferenciados, renovados, plenos.
Mas, sempre há um jardim umedecido pelo orvalho do olhar de Deus sobre as coisas miudinhas do tempo. Uma brisa de infinita beleza perpassa em toda renascida manhã e traz novas cores e novos perfumes às dissonâncias do jardim-poema, com rosas matizando alvoradas e se derramando em perfumes nas tardes banhadas de sol.
Há encantamento em cada reflorir do jardim multicolor na poética de Valéria Cristina Silva. Há sementes espalhadas no chão esquecido das antigas flores que, em tempos outros, trouxeram a beleza da vida que se derramava em aromas inigualáveis. Quem se lembra das antigas flores que voltaram ao pó para ser adubo às novas sementes sequiosas de vida?
A poetisa se lembra e mergulha no profundo do ser, ao buscar a semente original, a gênese, na imagem do pai. Foi ele, centelha e messe.
Há sementes então, numa festa de vida, brotando pelo chão, à sombra das flores que se debruçam para ninar-lhes o reflorir. Nascem as flores-poemas frágeis, pequeninas, desprotegidas, inseguras ante o vendaval que as pode destruir. Mas, há sombras benfazejas que, tocadas pelo vento, bafejam esperanças de crescimento no grande jardim-vida.
Um livro é um jardim de essências.
Pequeninas e suaves as rosas-poemas vão crescendo trêfegas e buliçosas; admiradas de tanta luz de sol, dos véus tão belos das chuvas mansinhas que derramam esperanças e embevecidas ante a noite tão estrelada que se abre no grande guarda sol preto do céu.
Rosas em botão, num desfile de aromas e essências misteriosas que brotam do âmago para um desabrochar tão belo como igual não há. De novo, as velhas rosas, quase desbotadas, vão abrindo caminho para que as novas flores matizem de variadas cores o jardim de encanto, na festa da vida que jamais fenece pela misericórdia de Deus.
E um dia, as velhas rosas, vergastadas pelos ventos, se dobram humildes para a terra num retorno ancestral para as profundezas misteriosas que se calam no infinito da beleza milenar. Do pó ao pó, sempre.
Rosas – poemas, em jardins agora tão diversos. Pétalas unidas pela haste tão firme da compreensão, em que cada uma traz a fortaleza que nasce do mesmo foco.
No âmago dos versos tecidos no coração se percebe, em cada pétala, uma gota de luz que matiza todos os jardins. Soltas, as pétalas podem se fundir pelo elo indissolúvel do amor, que é a haste maior a prender todas as rosas de todos os jardins do mundo.
Um poeta não tem pátria, não tem chão, se faz cidadão da eternidade. É atemporal e pertence ao pó ancestral das eras e do luminoso e perfeito porvir.
E tudo isso é para sempre. No jardim tão diverso desse novo tempo, devastado por duras tempestades, levam longe, muitas vezes, as pétalas, e dissolvidas na paisagem, precisam da brisa refrescante da ternura a unir indissolúveis emoções. Espalhadas pelo chão, as pétalas podem traduzir a seiva da haste que as sustenta para a eternidade.
Os versos-flores de Valéria Cristina Silva trazem aromas inigualáveis, sabores inimagináveis dos que desfrutam – ainda – dos momentos de paz e tranquilidade em meio à luta da vida. Em meio às cirandas, cores, bonecas, ovelhas, cata ventos, ipês, avelãs, borboletas, amoras, moinhos. Há pequeninas coisas que ressaltam o mosaico da vida. A poética das coisas simples, esquecidas nesse mundo de valorização do ter e do possuir.
Assim, nos mostra a poética de Valéria Cristina Silva, que quando as velhas roseiras são podadas, guarda, na essência, o poder da renovação. Há muito encantamento na ternura do replantio na terra morna de nossa sensibilidade.
A obra poética de Valeria Cristina Silva deixou as minhas mãos repletas de seiva e de perfume e sua essência está acordada em mim, por mais que o tempo passe seu perfume aparece em noites de luares inabitados…
Flor-poema tão suscetível aos vendavais da incompreensão e do abandono. Terra adubada, pelo afeto e pelo amor, precisa ser o lenitivo à sequidão dos tempos de agora. Alegria e paz estejam em jardins bem cuidados, unidos ou não pela haste de uma aliança material, mas jungidos, bem plantados, adubados, cuidados e regados, reflorindo infinitas e ancestrais emoções.
Assim, seremos sempre floridos até os velhos galhos, mesmo quando o frágil caule já esteja vergado pelo peso dos anos, pelo que há de mais belo nesse mundo, traduzido pelo perfume inigualável que de nós jamais sai: a poesia que nos resguarda do laconismo do mundo e das relações.
Assim, há tempo para tudo nas evocações que a lembrança nos traz no caminho da eternidade. E, na efemeridade de todos os instantes, vivenciamos momentos de emoção que, constantes, se traduzem no coração. A leitura desse livro nos traz essa evocação.
Este livro, tão belo, tão elaborado é uma açucena brotada no âmago do meu peito. Nele, reside a paz silenciosa de todos os momentos. É possível ver a doçura de seus instantes-versos, quando vai ampliando os seus horizontes iluminados.
Quero estar na janela de cada tempo para acompanhar, com olhos embevecidos, o existir dos versos, na força mágica da palavra. Quero calçar os meus pés com o evangelho da paz para, a cada dia, ler e escrever um salmo de luz.
Em todas as manhãs do mundo eu quero ver o sol. Nas tardes frescas, ouvir o ruído de todos os passarinhos das velhas mangubas, nossas conhecidas das ruas. Em todas as noites, ter um sono de paz e pureza que me traz a certeza de que Deus iluminou meu caminho na consciência da palavra tecida pela emoção e pela ternura. Meus livros tão amados, minha biblioteca, são afetos derramados diante de meus passos.
Esse livro para mim traz evocações e saudades e estará perto de minha ternura.
A obra poética de Valéria Cristina Silva inicia densa e profunda a nos fazer lembrar tantas coisas esquecidas pela ótica consumista desse mundo. Vem na contramão capitalista, reforçando valores caídos no ostracismo, mas que só ressurgem pelo valor imensurável da ternura – essa chama perenal que confere ao homem uma proximidade com Deus.
Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado. Graduado em Literatura e Linguística pela UFG. Pós-graduado em Literatura Comparada pela UFG. Mestre em Literatura e Linguística pela UFG. Mestre em Geografia pela UFG. Doutorando em Geografia pela UFG. Fundador da Academia Trindadense de Letras. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. Membro da Associação Goiana de Imprensa. Membro da Academia Itaberina de Letras (Itaberaí). Membro da Academia Catalana de Letras (Catalão). Membro da Academia Jataiense de Letras (Jataí). Membro da Academia Palmeirense de Letras (Palmeiras de Goiás). Membro da Academia de Letras de Campo Formoso (Orizona). Membro da Academia Belavistense de Letras (Bela Vista de Goiás). Professor licenciado da Faculdade Aphonsiano de Trindade. Foi Professor da UEG- Pólo Trindade. Professor da Rede Municipal de Ensino de Trindade. Servidor da Subsecretaria Regional de Educação de Trindade, ambos licenciados para cursar o Doutorado UFG. Foi Professor Substituto da Faculdade de Letras da UFG. Colaborador dos jornais O Popular, Diário da Manhã, Informativo trindadense, o Comunitário trindadense, O Comunitário de Palmeiras de Goiás e o Vilaboense (Cidade de Goiás). Publicou os livros: Ser (tão) goiano (Contos); Beco dos aflitos (Crônicas em parceria com Lúcio Arantes); Saga de um povo de fé no coração do Brasil (História de Trindade, em parceria com Antonio Alves de Carvalho); Do Barro Preto ao Planalto (crônicas, em parceria com Lucio Arantes); Hélio de Britto e Célia Coutinho (Biografia), A sempre-viva Amália (biografia), Coração de terra (poemas) e Ereny Fonseca de Araújo: O centenário em páginas de amor e de saudade (biografia).