UMA PONTE ENTRE DOIS AZUIS: A florada dos Jacarandás

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É preciso um grande poeta

para reencontrar, ingenuamente,

sem cópia literária,

o céu azul numa flor dos campos”.

Gaston Bachelard – O Ar e Os Sonhos

Olhar uma árvore toda em flor é participar de um presente. Quando essas árvores são muitas ao longo de uma rua, ou uma praça o presente multiplica-se. Essa expressão liga-se ao vivido, o modo como cada um de nós sentimos e acolhemos essa presença e os presentes desse instante.

Há um modo de ver as nuvens, de ver uma flor e escolher na palheta do dicionário palavras possíveis para interpretar a sua cor em vários estados atmosféricos alguns modos de ver e sentir, de imaginar e lembrar são singularidades possíveis de serem partilhadas e assim, significar. O impressionismo da cor é estado atmosférico e, ao mesmo tempo, estado de alma.

Os Jacarandás que florescem no sol quente de setembro no cerrado, o fazem na época mais seca, mais árida, mais inóspita – a nossa “canícula” – e fornece uma sensação de calma, de refrescância, de conforto. São às águas azuis de setembro em forma de flores, uma chuva floral, uma tempestade azul. O Jacarandá no cerrado é uma nuvem de tempestade. O ditado regional diz que o Jacarandá, assim como os Ipês não atiram suas flores na lama, por isso, floresce antes da chuva e são a própria chuva pingando flores no chão. E são sábias, pois, não jogam pétalas em vão. Para mim são sempre mais azuis do que lilases e os tons variam de acordo com a exposição da luz e a temperatura.

Na UFG os Jacarandás fazem parte do paisagismo e sua cor é a mesma da marca da instituição: um azul profundo. O slogan da Universidade é azul e os Jacarandás que a circundam fazem mais sentido quando estão floridos harmonizando com a imagem, a marca e a identidade.

O azul na psicologia das cores é a mais calma, imaterial e refrescante das cores, na simbologia é a mais sublime e sagrada. Imaginem estudar na universidade um tema todo azul? O azul proporciona uma interessante sinestesia: que sabor tem o azul? Que textura? Que odores? No jardim, essas flores são escolhidas, decididas e semeadas para o nosso deleite! São árvores de flores efêmeras que passam e desprendem, estendem aos passantes tapetes bordados de flores azuis e fornecem uma lição sobre a beleza e a brevidade: a importância de apreciar o presente, contemplar o que é belo, porque tudo passa muito rápido. Escrevo esta página e já passou!

Pessoalmente, o jacarandá marca a minha memória. Esta árvore ora roxa, ora azul está no meu espaço vivido.

A primeira cidade que visitei e os Jacarandás estavam frondosos e floridos fora a cidade de Maringá-PR pelas voltas do ano 2000. Essa foi a primeira vez que o vi e o encanto foi imediato. Os Jacarandás de Maringá deitaram suas flores na minha sensibilidade, gerando uma memória indelével do azul.

Recentemente, em estágio na Universidade Nova de Lisboa – Portugal, na qual fiquei toda a primavera e para a minha surpresa e encantamento Lisboa é uma cidade azul de Jacarandás, eles estão por toda parte. Unem-se ao rio Tejo e ao Mar para por na cidade os mais belos matizes de azul.

Para o meu aconchego o Jacarandás também estavam no paisagismo da Universidade Nova de Lisboa, assim senti-me em casa, mesmo estando do outro lado do oceano. O azul traz paz e o aroma amoroso de ver essas flores novamente e na minha própria língua. A língua portuguesa é tão bela que deve ser azul. Deus fala português, preferencialmente, e até o diabo de pura inveja fala também!

Assim, essas árvores e os seus dias de ventania, quando caem as flores, as sementes, as folhas secas e os pássaros castanhos vão juntos, rolam pelo chão, empurrados pelo vento, correndo atrás dos carros numa tarde de verão e fazem um tableaux de imagem que guardo em minha retina afetiva. Voltei para a casa, a UFG, e aqui estavam os Jacarandás outra vez, fazendo uma ponte entre dois azuis, dois mundos com a mesma língua, duas Universidades Azuis com ideias de todas as cores! Que beleza viver num só ano duas primaveras e só a geografia do nosso mundo permite isto! Corri ao redor do mundo e ganhei o fuso das Estações, um pouco como Júlio Verne, que ganha a corrida na Volta ao Mundo Em Oitenta Dias!

Quem planta uma árvore, seja ela floral, frutífera ou uma sombra modifica a vida de alguém, o ver e o sentir. Os Jacarandás, portanto, marcam o meu espaço vivido repleto de dias, lembranças, sentidos e sentimentos que entrelaçam fios. Ah, a flor azul! Tão cara aos românticos em busca de uma transcendência que ela é o próprio céu e uma mulher vestida de azul.

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