Imago Azul

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A lagarta espessa, verde com pequenos pontos pretos como um kiwi maduro por dentro passava o dia no jardim esticando-se por todas as flores: margaridas, hibiscos, violetas, dálias… A lagarta com dentes afiados serrilhava as folhas da roseira e passava o dia se fartar de flor em flor, de folhagem em folhagem.
Era uma lagarta daquelas que quando chega a metamorfose tornar-se-ia uma borboletinha branca de asas quase transparentes que continuaria sobrevoando as flores em busca do néctar e da ternura das glicínias.
Um dia, porém, a lagarta que rolava sobre a relva viu uma rosa diferente que surgiu no jardim. Tratava-se de uma rosa azul nunca antes vista naquele roseiral. A lagarta fascinada também nunca vira nada igual, a rosa de um azul sedoso e cintilante, mais parecia uma porção do céu em forma de pétalas e dobras.
A lagartinha apressou-se em chegar perto dela e tão logo se aproximou, começou a devorar suas pétalas azuis-celestes, mas diferente das outras flores que mordiscava e deixava, deglutiu a rosa inteira sem deixar nenhuma fração até o talo.
Após a ceia nutritiva de gostos e perfumes a lagarta rechonchuda sentiu um sono profundo e não tardou enovelar-se no próprio galho da roseira onde estava a rosa azul, colocou sua longa touca e dormiu profundamente como uma bela lagarta em seu ninho e sarcófago.
Um mês depois a lagarta adormecida desperta e rompe a crisálida, sai uma enorme borboleta de asas azuis, um intenso azul celeste e cintilante…
O que fez a borboleta? Correu logo para margem da fonte mirar-se nas águas e viu-se no espelho tão bela que quase cai no lago de esplendor. Observava uma asa e outra e as admirava. Era agora tão bela quanto um cisne, tão esbelta como o lótus, tão encantadora como a aurora e tão mágica como uma fada.
A felicidade de tanta beleza a fez voar mais alto e afastar-se do jardim. Era tão feliz que não precisava mais comer ou dormir. Começou a bailar na brisa, sobrevoando inflorescências da relva, árvores e casas e num voo mais alto alcançou rochedos e nuvens, distanciou-se das pastagens, subiu e voou tão alto até a imensidão e perdeu-se no céu azul como um brilhante balão de hélio em um dia ensolarado. Nunca ninguém mais a viu.
As flores e os insetos do jardim, porém, naquela mesma noite em que voou a borboleta azul, passaram a avistar no céu uma outra estrela em singular forma de borboleta e quando ela piscava aparecia em seus olhos uma rosa…
De um brilho intenso, de lume azul e silhueta recortada de uma borboleta na luz rosácea de uma eterna estrela… Como se fossem um a rosa, a borboleta e a estrela vagando no sem fim do nosso olhar…
O jardim continha sereno com seus perfumes, pomos e pássaros. As cigarras e pirilampos todos dias contemplam a nova estrela-borboleta que pisca rosas. Os grilos tridulam para ela, o rouxinol noturno canta em coro antes da sua aparição. As demais flores do jardim a reverenciam antes da seresta para qual todos estão convidados: joaninhas, sapos coaxantes, corujas e crisântemos.
O jasmim e a dama da noite fazem um dueto de perfume acendendo seus aromas!
Com o passar do tempo percebeu-se que a cada século nesta roseira especial floresce uma rosa azul…
Há três séculos atrás um rapaz romântico a perseguiu em sonho e percorreu o vasto mundo para encontrá-la e descobrir-se a si mesmo por meio da rosa.
No nosso século foi uma lagarta faceira e gulosa no seu destino de vir-a-ser borboleta-estrela, no próximo século quem o saberá? Um anjo? Um robô ou tão somente a nossa lembrança?

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