Era domingo, mãe e filha preparavam o almoço mais elaborado, o que naquele dia era espaguete ao molho vermelho com azeitonas. Tudo estava posto: a água quente, temperos, os fios amarelos do macarrão requebravam na fervura da panela… o calor do fogo tomava o ambiente… Maria Conceição era viúva e vivia com sua única filha Pâmela, a Pampã, que era solteira e naquele momento era estudante de gastronomia, assim depois vinha o molho, muitos tomates, manjerona, alecrim e vinho… Um prato primoroso preparava-se na casa rosada da Rua dos Eucaliptos Perfumados onde moravam. Cidade calma, vizinhança amena, nada acontecendo na rua a não ser o passo lento dos citadinos que voltavam da feira. Quase nada havia no lugar para se fazer, tão diminuta era a cidade… não tinha um cinema, um teatro nem pensar! E mesmo as velhas Lan Houses já haviam fechado. Só mesmo casas e vida dentro delas com suas intimidades, desassossegos e segredos.
Um lugar de juventude escassa e distrações mais escassas ainda fazia com que um almoço fosse um evento, o momento lúdico da vida experimentado, repetido e ritualizado por mãe e filha. Maria Conceição tinha sessenta anos e sessenta anos vivera em Pouso Branco, quanta paciência para nascer e viver tanto tempo no mesmo lugar! Pampã era uma jovem de quarenta anos também passados ali na branca nuvem de Pouso Branco, na casa rosa da rua dos Eucaliptos Perfumados. Seguia os passos da mãe, sem ambições, especializava-se em culinária e vendia suas tortas, quitutes e pratos variados a preços módicos. Trabalhava com baixa margem de lucro, mas tinha larga freguesia nas suas encomendas…
Era um cotidiano de baixa luzes, sem nenhuma novidade no horizonte… Embora a mãe insistisse, Pampã não pensava nunca em se casar ou mesmo namorar. Quando a mãe tocava no assunto alertando que estava na hora, Pampã retrucava que estava bom como estava e se estava assim iria ficar. Não adiantava insistir nisso, sua vida como era já bastava!
Mas ambas tinham um problema. Toda vez de abrir um vidro era uma chateação que se tornava quase uma calamidade. Naquele domingo, o caso era o vidro de azeitonas. Mas acontecia também com o de palmito, de aspargos, de alcachofra etc. Era tão difícil: colocava força no braço para abrir a rosca e nada! Tentavam forçando com um pano de prato para não deslizar a tampa e forçar a abertura e nada! Colocava o vidro de ponta cabeça na água fervente e nada! Batiam o martelo e nada! Colocava azeite na borda da tampa e nada…. nada, nada, nada.
Maria Conceição irritada lembrava-se que seu marido, quando vivo, era o único a dar jeito no vidro com uma força que ela mesma não tinha e cada vez mais irritada disse a filha em tom ríspido: – Pampã já que você não se casa para ter marido que abra os vidros, vai catar um homem na rua para abrir este aqui!
Pampã exasperada com os nervos da mãe foi, atônita, até a porta da rua para solicitar a qualquer passante do sexo masculino que abrisse o vidro… Mas logo que voltou a si, refletiu e caminhou lentamente de volta até a cozinha onde reencontrou a mãe interrogativa e disse, num tom professoral:
-Mamãe não precisamos catar um homem na rua, só precisamos de design!
A indústria de alimentos deveria ouvir Pampã.